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O “PRO-JETO” PEDAGÓGICO EM FOCO: UM ENSAIO SOBRE O
DEVIR DA FORMA-AÇÃO
Universidade Estadual Paulista, campus Rio Claro, Brasil Neste ensaio buscamos, por meio de um estudo bibliográfico, tecer considerações sobre nossa compreensão de pro-jeto pedagógico e seu movimento de atualização. A tessitura do texto foi desenvolvida a partir de um viés filosófico, amparada nas ideias de Héráclito, Aristóteles e Palavras-chave: Projeto, Atualização, Formação de professores.
ABSTRACT
In this paper we expose, through a bibliographic study, considerations about our understanding of pedagogic pro-ject and its update movement. The text was constructed from a philosophical perspective, supported by Heraclitus, Keywords: Project, Update, Teacher Education.
O “Pro-jeto” em foco. Por quê?
Com Heidegger (2005), entendemos “projeto” como o que se lança a frente, o que se pro-jeta, lançando-se às possibilidades do “vir a ser”, de maneira que, a cada encruzilhada, marcada pelas bifurcações do caminho pelo qual a trajetória daquilo que V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil está sendo escolhe um dos rumos possíveis. Este, por sua vez, uma vez tomado, não permite volta, pois a historicidade que se faz no movimento temporal das ocorrências já se deu, materializando-se espacialmente nos produtos deixados por essas mesmas ocorrências. Nesse processo, olhamos para nosso modo de ser mundano e vemo-nos traçando nosso destino a cada momento vivido. Por não sermos sós, mas sempre no-mundo-com (HEIDEGGER, 2005), junto a tudo o que nos circunda, não podemos deixar de perguntar sobre o vir a ser do que está mais próximo, como de outros seres humanos, plantas, pedras, estrelas, enfim, ao que nosso olhar1 indagador abarca e, no trilho desse interrogar que, em última instância, nos marca como humanos, interrogamos pelo que há e por quê há. Heidegger (1969) de maneira lúcida e complexa coloca essa interrogação primeira como “por que há o ser, e não antes o nada?”. Esse filósofo, ao dizer de sua compreensão sobre o modo de ser do ser humano, trabalha com a ideia de “pro-jeto” (HEIDEGGER, 2005), vendo-o como um feixe de possibilidades que, no movimento de tornar-se, realiza, dentre as possibilidades possíveis, aquelas escolhidas. Escolhidas de modo existencial, não necessariamente na dimensão ou no estado de uma escolha consciente, racionalmente Essa mesma interrogação posta em uma dimensão mais totalizante abarca tudo o que podemos nos dar conta como sendo, ou seja, que está no movimento de ser e de se tornar. Nesse percurso de interrogações, encontramo-nos com os primeiros pensadores da filosofia do mundo ocidental. Ao revisitá-los, destacamos as ideias expressas por eles que mais nos chamaram a atenção por virem ao encontro de nossas indagações, levando-nos a manter um diálogo com nossas compreensões. A incursão, efetuada por nós, pelo pensar dos primeiros filósofos, deu-se por entendermos que as grandes perguntas sobre o “princípio” foram postas com clareza e encaminhadas de maneira direta, por aqueles pensadores. Na história do pensamento ocidental, essas perguntas e encaminhamentos foram retomados conforme as nuanças que lhes faziam sentido, não de modo repetitivo, é certo, mas olhadas conforme o solo histórico daqueles autores dispostos a retomá-las. Entretanto, é importante afirmar que perguntas sobre o ser e o devir sempre são feitas na dimensão do rigor que exigem. 1 Olhar “é um ato pelo qual o horizonte da visibilidade se amplia e o corpo-próprio estabelece contato com o mundo. Trata-se de um tocar à distância, e é nesse ato que nos abrimos à textura do mundo.” (BICUDO, 2003, p.21). V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 1.1 Heráclito: um pensador originário
No trajeto de leituras sobre Heráclito2 percebemos que sua doutrina é apresentada por meio de certas pedras angulares de seu pensamento, as quais são responsáveis pela grande notoriedade que esse filósofo tem até os dias atuais. Esses destaques, dados desde mesmo a Antiguidade pelos primeiros a praticar a doxografia, são discutidos e reinterpretados das mais variadas maneiras, mostrando a valor desse pensador. Tais ideias basilares não são para serem pensadas isoladamente, uma vez que há uma interconexão entre elas. Autores como Giovanni Reale (2009), Gerd A. Bornheim (1991), Marilena Chauí (2002), G. S. Kirk, J. E. Raven e M. Schofield (2008) e Marcus V. S. Martins (2007), entre outros, trazem, em síntese, as principais ideias de Heráclito. Para expô-las neste momento recorremos a Martins (2007). De acordo com esse autor, além da teoria do fluxo perpétuo das coisas, Heráclito pensa “a unidade dos opostos, a existência de uma regra/medida que serve de base para as mudanças que percebemos, o conflito como “pai” de todas as coisas e o fogo como elemento primordial (.) uma ética, uma cosmologia e uma teoria da alma” (MARTINS, 2007, p.59). Heidegger, entre outros grandes filósofos da contemporaneidade, pensa a palavra de Heráclito, mostrando a importância desse filósofo primeiro para o desenvolvimento de toda filosofia ocidental. Heidegger propõe uma apresentação do pensamento de Heráclito, tentando compreender como esse filósofo pensa e mostrando a riqueza de suas ideias. Ele traz as questões pelas quais esse grande filósofo ficou conhecido, mas, no entanto, propõe uma ordem para pensar os (e com os) fragmentos, mostrando, assim, o modo como ele reinterpreta a palavra de Heráclito, proporcionando-nos uma forma que adentra pelo pensar primeiro e convidando-nos à reflexão. O estudo heideggeriano nos trouxe esclarecimentos que leituras anteriores não nos haviam possibilitado. Heidegger é um dos autores lidos que não se prende somente ao ato de expor os fragmentos de um modo apenas histórico. Ele procura no ir e vir de seu pensamento, por meio do estudo dos termos gregos, adentrar o pensar do pensador da maneira mediante a qual ele entende que ela foi pensada. E são essas compreensões que passamos a 2 Heráclito foi um pensador pré-socrático que se acredita ter vivido entre 540 e 480 a.C. Ele é considerado por Heidegger (2000), juntamente com Anaximandro e Parmênides, um pensador originário por que pensa no âmbito da origem. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Uma das dificuldades de compreender o pensamento desse grande filósofo, que também trabalhou a questão do “ser”, tão discutida e pensada por todos os grandes filósofos ocidentais, se dá pelo caráter obscuro que se atribui ao seu pensamento ou à maneira pela qual expressa seu pensar. O estilo enigmático de Heráclito fez com que desde a Antiguidade fosse designado pelo epíteto de “o Obscuro”. Heidegger nos deixa claro porquê compreender Heráclito segundo essa alcunha. Primeiramente, segundo ele, o pensamento essencial, ou como ele coloca o “a-se- pensar”, encontra-se na essência de um encobrimento, em uma obscuridade, de modo que todo pensamento que simplesmente experimenta um adentrar no encobrimento, no velamento, já é necessariamente obscuro. E a obscuridade diz de “um modo essencial e necessário de se encobrir”, de se velar. Nesse sentido, compreendemos que esse modo essencial não diz de algo necessariamente complexo e enigmático ao nosso entendimento, apesar de a definição dessa palavra expressar esse sentido, mas de algo que não se conhece de maneira imediata, por isso encoberto; essa obscuridade diz de algo que, sendo simples ou complexo, deve ser olhado por nós de maneira atenta, pois se encontra de algum modo velado - no sentindo de protegido, como que por um véu - e para trazê-lo à luz da compreensão é preciso tirar-se o véu que impede que se torne Ao dizer da obscuridade, Heidegger (2000, p.47), afirma que “Heráclito é o ‘obscuro’ porque ele pensa o ser enquanto o que se vela e tem-se que pronunciar a palavra de acordo com o que assim se pensa”. Ainda, de acordo com a compreensão de Martins (2007, p.7), que se apoia em Heidegger, Heráclito não deve ser tomado como o obscuro por algum fator externo a ele ou pelas interpretações que vários filósofos fizeram, mas ele e sua forma de expressão, sua linguagem, devem ser assim entendidos por que tal obscuridade “se resguarda à medida que essa [a linguagem] deixa e faz ver o próprio princípio”. Para Martins (2007), Heráclito recebe essa denominação de obscuro por ele se manter na dimensão do princípio (da physis3). Heidegger (2000) traz em sua obra uma história que ilustra porque esse pensador ficou comumente conhecido como o Obscuro desde a Antiguidade. Tal história além de cumprir o que objetivamos mostrar pontualmente neste momento, ela nos faz refletir sobre outros aspectos, também explorados por Heidegger, e que serão discutidos no 3 O significado desse termo será ainda melhor explicitado ao longo do texto. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Heráclito assim teria respondido aos estranhos vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao forno. Ali permanecem, de pé, (impressionados, sobretudo porque) ele os (ainda hesitantes) encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: ‘Mesmo aqui, os deuses também estão presentes. (HEIDEGGER, 2000, p.22) Quanto ao trazido por Heidegger sobre Heráclito há uma interpretação desse autor que evidencia outra questão diferente daquela de apenas indicar, como fizemos, o caráter obscuro pelo qual o pensador se expressa. Quando Heidegger apresenta a história mencionada, faz referência ao fogo no pensamento de Heráclito. Esse fragmento diz que Heráclito estava ao lado do forno se aquecendo para proteger-se do frio e os estranhos que o observavam esperavam encontrá-lo em outra situação, isto é, no ápice de sua atividade pensante e, por isso, se decepcionaram ao encontrá-lo junto a um lugar tipicamente cotidiano, comum, ordinário. Mas Heráclito os encoraja a entrar dizendo: “mesmo aqui os deuses estão presentes”, ou seja, mesmo nessa situação familiar, nesse lugar comum, corriqueiro e ordinário, “mesmo aqui”, os deuses também estão presentes. O aparecimento dos deuses, nesse fragmento traz a ideia de que no ordinário vigora o extraordinário, ou seja, de acordo com Heidegger (2000, p.24), a essência dos deuses é para os gregos esse aparecimento, “entendido como um olhar a tal ponto compenetrado no ordinário que, atravessando-o e perpassando-o, é o próprio extraordinário o que se expõe na dimensão do ordinário”, no inaparente do cotidiano. Exposto isso, seguiremos nossa trilha trazendo alguns pontos, que acreditamos serem centrais para a compreensão do pensamento essencial, isto é, primeiro, pontos esses apresentados e discutidos por Heidegger ao pensar a palavra de Heráclito. Heidegger (2000) inicia seu pensar sobre o seguinte fragmentos do pensador Heráclito, que de acordo com a tradução desse filósofo diz: “Como alguém poderia manter-se encoberto face ao que a cada vez já não declina?”. Para ele, esse fragmento de Heráclito, “pretende tocar o núcleo determinante do que (.) constitui o a-se-pensar O autor aqui mencionado dialoga exaustivamente com esse fragmento, tomando outros fragmentos no caminho de sua exposição. Trata-se de um pensamento complexo e difícil de explicitar o mesmo caminho por ele percorrido. Para evitar cairmos em um emaranhado de ideias que poderiam fazer com que nossa exposição ficasse sem dizer do sentido que a leitura fez para nós, tentamos expor aquilo que nos foi fazendo sentido de maneira sucinta, mas comprometidas com a palavra desses filósofos. Inicialmente faz-se mister que esclareçamos o sentido de “declinar” para o pensar V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil grego, como trazido por Heidegger. Primeiramente, declinar e declínio no dicionário da língua portuguesa são definidos como: desviar-se do rumo, descer, descair, baixar, recusar; decadência, aproximação do fim. Esse sentido, conforme Heidegger (2000), não é aquele pelo qual essa palavra é entendida no pensamento originário. Declinar para os gregos é “o desaparecer da presença e, na verdade, no modo de sair e penetrar no que se oculta, ou seja, se encobre” (HEIDEGGER, 2000, p.66). Declinar tem como essência adentrar o encobrimento, declinar é tornar-se encoberto. Para clarear a questão, Heidegger coloca que o sentido que deve ser tomado é o do pôr do sol. Mesmo compreendendo que é uma ilusão de ótica, podemos tomar esse exemplo. O sol ao se pôr, ao se declinar, não se finda, não se aniquila ou é aniquilado, não vive sua decadência, uma vez que todos nós sabemos que no outro dia ele volta a brilhar, surgindo no horizonte. Assim o seu declínio é apenas um adentrar o encobrimento, ele continua com força e brilho, porém não visível aos nossos sentidos, esperando o instante em que novamente se dará à nossa presença, que surgirá. Com referência à segunda parte do fragmento, “o que a cada vez já não declina”, e pensando a palavra “declinar” com destaque ao sentido de adentrar no encobrimento, Heidegger (2000) indica que não devemos pensar naquilo que se adentra no encobrimento, no que se abriga no declínio, mas no próprio declinar. Desse modo, de acordo com esse autor, estaremos pensando no sentido trazido pelos gregos. Mas Heidegger (2000) chama a atenção para um fato. Na sentença não é falado em declinar, o que se diz é um “não declinar”. Heidegger aprofunda sua discussão das partículas gregas da frase e anuncia outra possibilidade de tradução. Assim, “o que a cada vez já não declina” poderá ser dito como “o que nunca declina”. Mas o que é que nunca declina? Aquilo que nunca declina, ou seja, nunca adentra o encobrimento, só pode estar sempre surgindo, isto é, o que nunca declina está em constante surgimento. E ao olhar para o fragmento dessa maneira, novamente nos vem à mente a imagem do pôr do sol e seu constante surgir na manhã do próximo dia. Então, Heidegger diz que o fragmento de Heráclito, “o que nunca declina”, poderá ser pensado, não mais no sentido negativo, e sim no positivo como “o surgimento constante, ou seja, incessante” Tomando esse fragmento dessa maneira, ‘o surgimento incessante’, também estamos pensando possivelmente à maneira de Heráclito. Em grego surgimento incessante é dito pela palavra physis, que significa “surgir no sentido de provir do que se acha escondido, velado e encapsulado” (HEIDEGGER, 2000, p.101). De acordo com V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil o mesmo autor, esse surgir torna-se mais compreensível para nós quando pensamos no surgimento como o processo de brotamento de uma semente; como o nascer do sol. Ele coloca ainda que se possa pensar esse surgimento como “quando o homem, concentrando o olhar, surge para si mesmo, como no discurso o mundo surge para o homem, [.], como o ânimo se desdobra nos gestos [.]” (HEIDEGGER, 2000, p.101). Em outras palavras, Heidegger coloca que “em toda parte (.) dá-se um vigor recíproco de todas as ‘essências’, e em tudo isso o aparecimento, no sentido de mostrar-se a partir de e dentro de si mesmo” e ele diz que isso é physis. Vigor, etimologicamente, diz da força do corpo, robustez, energia, vitalidade. Assim entendemos a physis como uma força que faz surgir, aparecer o que se encontra no encobrimento e é essa mesma força que mantém sendo aquilo que fez surgir, aparecer. Tal força não é externa àquilo que surge e que impulsiona o aparecer; tal força motora impulsiona o surgimento de dentro daquilo que surge, ela se dá a partir do que A palavra physis é, às vezes, traduzida por ‘natureza’ o que leva-nos a uma compreensão de physis como natureza da maneira que compreendemos e representamos o que diz essa palavra, restringindo o seu sentido original. Esta palavra, de acordo com Heidegger não pode ser compreendida como aquilo que denominamos por natureza, aquilo em meio ao que já muito antes o céu e a terra, o mar e as montanhas, a árvore e o animal, o homem e os deuses surgem e se mostram como o que surge, de maneira a serem chamados de “entes” nessa dimensão. O que para nós aparece como processos da natureza, para os gregos só se torna visível à luz da physis (ϕύσιϛ). (HEIDEGGER, 2000, p.102). Mas, a experiência do surgimento não pode se encerrar nos exemplos anteriormente dados para auxiliar a compreensão da physis, como processos da natureza expostos no surgimento do broto da semente, do nascer do sol, se buscarmos pelos sentidos expressos no modo de pensar dos gregos. Para compreender a physis precisamos ir além desses processos que nos auxiliaram a compreendê-la anteriormente. A physis, o puro surgir, não é uma generalização desses processos da natureza. Heidegger (2000, p. 103) coloca que o surgimento, o que se mostra a partir do que se vela e se encobre, é o que “constitui a relação com a ‘luz’, em cuja claridade são constatadas a coisa ‘semente’ e a coisa ‘broto’ em surgimento, vendo-se, assim, o modo em que a semente ‘é’ na semeadura, o broto ‘é’ na brotação”. Ou seja, é no surgimento que se estabelece uma relação com a luz, no sentido de trazer para a claridade o que se V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil encontrava velado; é no movimento de surgir que o que surge se mostra e, então, é Se ela, a physis, faz surgir aquilo que está encoberto, cabe perguntar qual a relação existente entre o surgimento e o encobrimento? Em outras palavras, como o declínio, pensando anteriormente, se relaciona com o surgimento, ou com a physis - agora dita e trazida para a tradução e interpretação do fragmento? Para Heidegger (2000, p.121), as palavras ‘nunca declinar’ ou ‘sempre surgir’ “constituem as palavras fundamentais do pensamento originário”. Sendo tomado o sempre surgir ou puro surgir como physis, fica adequado tomar o fragmento de Heráclito e dizer physis no lugar de ‘nunca declinar’, pois o próprio Heráclito usa essa palavra em um de seus fragmentos que Heidegger toma como o segundo, para continuar a explorar o pensamento desse filósofo. Em tal fragmento a palavra grega ϕύσιϛ – physis – está presente. De acordo com a tradução de Heidegger (2000) o fragmento é apresentado da seguinte maneira: “o surgimento favorece o encobrimento” 4. Nessa tradução de Heidegger, é usado o verbo favorecer, diferentemente de outras traduções que trazem o mesmo verbo grego como “amar”, “gostar”, “tender”. Mas Heidegger utiliza “favorecer” e explica o motivo, Olhemos para o fragmento: “o surgimento favorece o encobrimento”. Tal fragmento nos leva de imediato a interpretar que o surgimento em sua essência pertence ao encobrimento – mesmo que em um primeiro instante fiquemos imóveis pela possível contradição que nosso pensamento vê no fragmento, fazendo-nos vê-lo como sem lógica. Nesse sentido, não se pensa em algo que surge e depois entra em declínio, desaparecendo, mas que o surgimento já é em si mesmo encobrimento. Aprofundemos e discutamos um pouco mais essa relação. Heidegger (2000) coloca que o “favor” é entendido em seu sentido originário, ou seja, no sentido de propiciar e preservar. Assim, o favor, trazido nesse fragmento, não é qualquer favorecimento. É um favorecimento que vem como acolhimento. É um favorecimento que propicia e preserva o que vigora no surgimento. Nas palavras de Heidegger (2000, p.143) “o favor do surgimento pertence ao encobrimento” e o 4 Em várias traduções esse fragmento aparece de forma diferente: a natureza ama esconder-se; a essência das coisas tem prazer em ocultar-se, entre outras. Tais traduções, de acordo com Heidegger (2000), não cabem ao pensamento de Heráclito, pois natureza enquanto essência, conforme é colocado nas traduções só é possível posteriormente a Platão; logo Heráclito não poderia pensar a physis como natureza ou essência. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil encobrir-se, na relação com o surgir, é um fechar-se. Então fechar está no mesmo sentido de encobrir. Heidegger (2000, p.143), coloca que: “A fim de vigorar, o surgimento propicia um fechamento porque a partir de sua “essência” o encobrimento favorece o surgimento no que ele mesmo é”. De acordo com as palavras de Heidegger (2000, p.144): “O surgimento propicia o encobrimento, a fim de que vigore na própria essência do surgimento. O encobrir-se vigora, no entanto, ao favorecer o surgimento para ‘ser’ surgimento”. Assim temos que um favorece ao outro e sustentam-se mutuamente, garantindo o vigor de se manterem sendo, pois a essência do favorecimento é o surgir e o do encobrir-se, o fechar-se. Surgindo, o surgimento favorece o fechamento, e de tal maneira que este vigora na própria essência do surgimento. Em se fechando, o fechar-se favorece o surgimento de tal maneira que este vigora a partir da própria essência do fechamento. O favor é, aqui, o favorecimento recíproco da garantia que uma essência confere à outra, e na qual se preserva a garantia da essência denominada ϕύσιϛ (physis). Nós, porém, só podemos pensar a ϕύσιϛ a partir da unidade originariamente unificadora do favor (HEIDEGGER, 2000, p.147). Entendemos que o favor favorece o acontecer das possibilidades “fechadas” na essência e “abertas” no seu aparecimento. Ele sustenta a relação estabelecida na De uma maneira mais direta, podemos afirmar que a physis, ou seja, o surgimento incessante, se relaciona essencialmente com o declínio, isto é, com o adentrar no velamento, e este, o encobrimento, “cobre justamente liberando o livre e o aberto” (HEIDEGGER, 2000, p.150). Compreendemos com essa frase que aquilo que adentra ao encobrimento, que está velado, não está preso e impedido de surgir; compreendemos que o encobrimento favorece o surgir daquilo que está a todo momento livre para o próprio surgir. Heidegger lembra que esse encobrir, presente no fragmento de Heráclito tem o sentido de abrigar, de abrigo, ou seja, abrigar no sentido de proteger, amparar, guardar, hospedar, albergar, o que nos remete mais ainda ao surgimento daquilo que está livre e aberto para surgir, somente protegido e abrigado sendo favorecido, propiciado, preservado para o aparecimento, para o dês-velamento. Assim, a sentença – o surgimento favorece o encobrimento – traz a compreensão de que o surgimento ao surgir, sendo favorecido pelo encobrimento, pelo abrigo, vigora como é e, nesse vigor, a physis “descobre sua origem incessante no favorecimento desse favor, segundo o qual o surgir já-sempre aparece antes do surgimento de qualquer coisa, de qualquer ente” (HEIDEGGER, 2000, p.150). Ou seja, olhando a partir do ente, a physis, sendo ‘não-encobrimento’, já-sempre surgiu. E, quando dizemos que o V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil surgimento é encobrimento não se quer dizer que a physis se esconde, se oculta, como já alertado, mas que enquanto já-sempre surgir, a essência da physis a “revela precisamente no surgimento enquanto encobrimento” (p.150), sendo este o protetor da Indo em direção às ideias originárias que nos propusemos compreender, na tentativa de clarear aquilo que para nós ainda se ocultava, encontramo-nos com o pensamento de Aristóteles. Por meio de algumas de suas ideias basilares que exporemos no próximo item, pretendemos lançar luz, favorecendo a compreensão de alguns aspectos do projeto pedagógico e dos processos de efetivação das ideias presentes nele, 1.2 Aristóteles: potência e ato
O conceito trabalhado por Aristóteles que nos chama a atenção e ao mesmo tempo dialoga com nossas ideias de projeto e atualização de um projeto, é o de potência e ato. Tais conceitos estão presentes em sua doutrina e nas maneiras de pensar e definir a sua Metafísica. É importante já esclarecer que “metafísica” não é um termo cunhado por Aristóteles para dizer daquilo que é. Porém ele se vale, na mesma acepção de sentido, dos termos filosofia primeira ou também teologia. Tais definições podem ser assim sumarizadas, lembrando que há uma relação intrínseca entre elas: Metafísica como a busca pela causa e princípio das coisas (pela arché), como uma ontologia, como uma usiologia (substância) e como uma teologia. Aqui, mesmo compreendendo que as definições de metafísica estão em harmonia, interessa-nos explorar algumas questões presentes nos modos de compreender a metafísica segundo Aristóteles. Como já mencionado, das ideias desse filósofo gostaríamos de destacar o que ele diz sobre potência e ato, conceitos esses que perpassam as quatro definições de metafísica sumarizadas anteriormente. Vamos à exploração desses conceitos por meio de algumas das definições de Metafísica5. Tomemos a primeira definição, a metafísica como a busca pela arché - princípio ou causa primeira das coisas. De acordo com Reale (2007), Aristóteles afirma que as 5 Das definições que não tratarmos neste item, convidamos aos interessados para lerem Reale (2007), que faz uma leitura das obras de Aristóteles e traz de forma clara e interessante os conceitos significativos à obra desse filósofo. Não trataremos de todas por que nosso objetivo é explicitar o conceito de ato e potência, forma e matéria, pois como já explicitado, com tais conceitos estabelecemos articulações com pro-jeto. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil causas devem ser finitas e assume a existência de quatro “causas”6, as quais já haviam sido, de acordo com ele, de certo modo anunciadas por seus predecessores. São elas: causa formal, causa material, causa eficiente e causa final. A duas primeiras causas, dizem do que constitui todas as coisas, ou seja, a forma/essência e matéria. Explicitemos A causa formal “é a forma ou essência das cosias” (REALE, 2007, p.33). Observemos que não estamos falando da coisa em si ou de seus contornos, mas daquilo que se mostra como essência da coisa, como estruturante. Reale oferece os seguintes exemplos para elucidar tal causa: “a alma para os animais, as relações formais determinadas para as diferentes figuras geométricas [.], determinada estrutura para os diferentes objetos de arte” (REALE, 2007, p.33). A causa material, de acordo com Reale (2007) é a matéria ou aquilo do que é feito uma coisas. Por exemplo, a matéria de um animal é a sua carne e seus ossos, a matéria de uma estátua de bronze é o bronze etc. A causa eficiente é o que faz, gera ou impulsiona a mudança e o movimento das coisas, por exemplo, o chute em uma bola é a causa eficiente ou motora que gerará o seu movimento. A causa final constitui o fim das coisas e das ações. Nas palavras de Reale (2007, p.33), “ela constitui aquilo em vista de que ou em função de que cada coisa é ou advém; e isso, diz Aristóteles, é o bem de cada coisa”. Essas são as causas ou princípio das coisas e, de acordo com Reale, o ser e o devir das coisas as exigem, em geral. Nessa primeira definição chamamos a atenção para o par “matéria e forma”. Aqui percebemos que a matéria vem impressa de sua forma, seja no exemplo de uma escultura de bronze ou da estrutura de uma determinada obra de arte. Isso indica que é na ação, no movimento, que a matéria se transforma, se modifica e por fim, mostra a forma que possui e que de certo modo foi perseguida. Essa primeira definição, por ser significativa ao tema propulsor desta pesquisa e por tratar das quatro causas trazidas por Aristóteles, possibilitando traçar um paralelo com o projeto de formação de professores, será retomada no próximo item deste capítulo. Tomando a segunda definição de metafísica, entendida como ontologia, o que é possível dizer sobre potência e ato? Antes de focarmos nosso objetivo, cabe dizer que Reale (2007) faz uma explicação sobre o conceito de ser e ser enquanto ser para Aristóteles, e nesse percurso vai ficando claro por que ele definiu a Metafísica também 6 “[.] para Aristóteles, significam o que funda, o que condiciona, o que estrutura” (REALE, 2007, p.32). V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil como uma ontologia7. Buscaremos, sem perda para a compreensão, ir direto às questões sobre potência e ato que aparecem ao ser definido Metafísica. Ao caracterizar o “ser” Aristóteles traz seus significados e em uma destas significações: o ser é tomado como potência e como ato. Ser como potência é o que traz consigo a capacidade, a potencialidade de realização de algo, de ser algo; ser como ato, de fato é o que já está aí, sendo efetuado ou sendo realizado. O que isso quer dizer? Utilizando um exemplo similar ao dado por Reale (2007), dizemos que anda, seja quem tem a potência para andar, isto é, quem pode andar, mesmo que momentaneamente não o esteja fazendo por alguma impossibilidade, por exemplo: ter quebrado as pernas; seja quem anda em ato, isto é, quem está realizando essa ação. Da mesma forma, podemos dizer que uma semente é uma árvore em potência, enquanto que a árvore adulta é em ato ou ainda, que um pedaço de madeira é uma escultura em potência e que a escultura pronta, já entalhada pelo artista, é em ato. Tal significado do ser, como potência e como ato, de acordo com Reale estende-se aos outros significados de ser8. Retomemos a questão da matéria e forma, que é trazida também na determinação de Metafísica como usiologia. Indagar a ousía ou substância é, de acordo com Reale, a questão mais complexa na compreensão da metafísica aristotélica. A substância pode ser entendida, de acordo com Aristóteles como a forma, a matéria e o sínolo (composto de matéria e forma). Esmiucemos um pouco essa definição de substância. Reale (2007, p.47) ao trabalhar a questão da substância explicita que a forma, já enunciada anteriormente, deve ser entendida como “a natureza interior das coisas, o que é ou essência íntima das mesmas”. Assim, como no exemplo dado, a forma ou essência do homem, por exemplo, é a sua alma, pois é ela que faz dele um ser vivo racional. Forma é o que define a coisa, ou seja, “quando definimos as coisas, referimo-nos à sua forma ou essência e, em geral, as coisas só são cognoscíveis na sua essência” (REALE, 2007, p.47). A matéria, também entendida como substância, é aquilo em que se imprimiu a forma. Ou seja, a matéria é fundamental, pois a forma precisa dela para se ter a coisa. Não obstante, a matéria também precisa da forma, pois caso contrário ela seria indeterminada e não teríamos também a coisa somente com a matéria. Dessa forma, o 7 Resolvemos não nos demorar neste ponto e ir direto ao nosso objetivo, pois explicitar de modo sintético poderia não trazer o entendimento necessário, assim indicamos a leitura de Reale (2007) para o aprofundamento desta questão, bem como da questão da Metafísica como usiologia e como teologia, pois também não nos ateremos à explicitações mais profundas. 8 Não vamos tratar dos outros significados de ser, apenas iremos citá-los: ser no sentido acidental; ser por si; ser como verdadeiro. (REALE, 2007, p.37). V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil sínolo, ou composto de matéria e forma, é “a concreta união de forma e matéria” Ainda na compreensão da metafísica como a indagação da ousía, podemos trazer a questão da potência e ato. A matéria, explicitada no parágrafo anterior é potência, pois ela tem potencialidade, ou seja, capacidade de assumir ou receber a forma. Retomando os exemplos dados, o mármore tem potencialidade de receber a forma que o artista pensou, ou seja, tal matéria é concreta capacidade de assumir ou receber a forma da escultura. Como a matéria é potência, a forma “configura-se, ao invés, como ato ou atuação da capacidade. O sínolo de matéria e forma será, se o considerarmos como tal, predominantemente ato” (REALE, 2007, p.54). Assim, fica clara a relação dos pares matéria e forma, potência e ato no pensar de Aristóteles. Ele coloca, ainda, que o ato tem integral prioridade e superioridade sobre a potência, pois “não podemos conhecer a potência como tal, senão reportando-a ao ato do qual é potência. Ademais, o ato (que é forma) é condição, regra e fim da potencialidade” (REALE, 2007, p.55). Assim, para que o ser em potência seja conhecido precisamos antes conhecer a forma, a essência daquela matéria, ou seja, Reale (2007) afirma que a doutrina de potência e ato de Aristóteles é de grande importância, pois foi por meio dela que esse filósofo pôde resolver as questões aparentemente sem saídas sobre o devir e o movimento. O autor diz que tais questões, do devir e do movimento, “correm no álveo do ser, porque não assinalam uma passagem do não-ser absoluto ao ser, mas do ser em potência ao ser em ato, isto é, do ser ao ser” Mas, o que é o movimento na doutrina aristotélica? De acordo com Reale (2007) o devir e o movimento foram negados pelos eleatas e a partir disso se tornou um problema filosófico. Eles assim o fizeram, pois assumiam a conjectura da existência de um não-ser, o que para Aristóteles foi um engano, uma vez que, de acordo com ele, o não-ser não existe de modo algum. Para resolver essa questão Aristóteles afirma que o movimento é um dado originário e não pode, desse modo, ser colocado em dúvida. Para explicar definitivamente o movimento, Aristóteles toma o significado do ser como potência e do ser como ato e afirma que o movimento é a passagem do ser em potência ao ser em ato. Nas palavras de Reale (2007, p.68): Com relação ao ser-em-ato, o ser-em-potência pode ser dito não-ser, precisamente não-ser-em-ato; mas é claro que se trata de um não-ser relativo, pois a potência é real , porque é real a capacidade e efetiva possibilidade de V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil chegar ao ato. Ora, vindo ao ponto que nos interessa, o movimento ou mudança em geral é, precisamente, a passagem do ser em potência ao ser em ato (o movimento é o ato ou a atuação do que é em potência enquanto tal, diz Aristóteles). Portanto, o movimento não supõe absolutamente o não-ser parmenidiano, porque se desenvolve no álveo do ser e é passagem de ser (potencial) a ser (atual): com isso o movimento perde definitivamente o caráter que podemos denominar nadificante, pelo qual os eleatas acreditavam ser constrangidos a eliminá-lo, e fica fundamentalmente explicado. Dito isso, resta explicitar que, para Aristóteles, o devir é compreendido, nas palavras de Reale (2007, p.70), como “a via que leva à plenitude do ser”, ou seja, é o caminho pelo qual percorrem as coisas para ser o que são de modo pleno, em outras palavras, para atuar-se, para realizar a sua essência ou sua forma9. Projeto Pedagógico em foco: elaborando articulações
No intuito de dialogar com as ideias essenciais dos pensadores anteriormente expostos, buscaremos fazer uma articulação dos modos de pensar desses filósofos e o entendimento que fomos construindo de Projeto Pedagógico e evidenciando a compreensão que foi se fazendo para nós nesse caminhar. As articulações tecidas foram pensadas tendo como fio condutor o projeto pedagógico de forma-ação de professores, pois estamos imersas nesse campo de investigação, mas cabe enfatizar que elas dizem de qualquer projeto de forma-ação de um profissional e não somente daquele das Entendemos ser o projeto pedagógico o que articula, impulsiona, direciona o trabalho em um curso, tendo em vista a formação do profissional ali pretendido. As ideias lançadas pelo projeto, no movimento de ações, a serem desenvolvidas, vão “lapidando” a construção do pensado e projetado. Focando-se o projeto no contexto educacional escolar, as ações que vão materializando o ali pensado traçam, ao acontecerem, linhas que indicam a formação de uma pessoa, de um cidadão especialmente pensado, de um profissional a ser formado de determinado modo. Ao ser apresentado de maneira articulada e documentado pela escrita, torna-se um meio pelo qual professores, alunos e demais envolvidos no processo de formação podem tomar ciência do que fazem, daquilo a que o curso se propõe, de suas 9 “[.] nesse sentido, compreende-se bem por que a physis aristotélica é, em última análise, essa forma” (REALE, 2007, p.70). V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Compreendemos que o projeto pedagógico de um curso é construído em um contexto ordinário, ou seja, ele é pensado no cotidiano de uma escola/universidade, esta, No contexto de nossas preocupações e da problemática que estamos a tematizar, acreditamos que é indo ao encontro do familiar, do rotineiro, corriqueiro, ou seja, do ordinário e é não buscando perseguir o extravagante, o excitante e o estimulante, que se abrem as possibilidades de compreendermos aquilo que está velado. É nesse ordinário que a nossa perplexidade sobre formação de professores se deu e é nele, indo até ele e nele demorando-nos, que o extraordinário, ou seja, aquilo que não nos é dado tão visivelmente na ordinariedade do cotidiano, do simplesmente dado, se expõe, vai sendo trazido para a luz, para a compreensão daquele que intencionado e atento interroga. Vemos esta questão no mesmo sentido trazido por Heidegger (2000) quando fala sobre a história de Heráclito, anteriormente transcrita neste artigo: “Mesmo aqui, os deuses também estão presentes”. Vemos o processo da formação de professores se realizando nessa dimensão do ordinário, aqui entendido como o contexto em que o projeto pedagógico de um curso vai, no movimento das ações efetuadas, sendo O Projeto Pedagógico faz surgir o curso; ele é o vigor imperante que faz o curso se lançar às possibilidades de ser e de se manter sendo. Juntamente com o projeto, agregam-se outras formas que também atuam para mantê-lo sendo: a legislação que ampara e sustenta o projeto e consequentemente o curso, valores e expectativas daqueles envolvidos na sua proposta, os embates políticos existentes entre aqueles que vivenciam o curso, políticas públicas que evidenciam a vontade política para dar sustentabilidade ao curso. Assim, podemos dizer que há uma complexidade de ações que alimentam a materialização das ideias do projeto, de modo que continuem sendo efetivadas com força e mantendo o curso com vigor. Essas forças atuantes no acontecer do curso favorecem a efetivação das ideias pensadas e presentes no projeto pedagógico, em diferentes modalidades por meio das atividades desenvolvidas pelo colegiado de professores e alunos. O projeto, sendo o que se lança a frente, está sempre em movimento de acontecer, em devir, pois uma vez disparado e efetuadas ações que fazem acontecer o curso, este se materializa em grade curricular, atividades pedagógicas e administrativas, espaços didático-pedagógicos, professores, alunos, disciplinas e respectivos conteúdos e metodologias, forças favoráveis e antagônicas, avaliações internas e externas etc. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Sendo o projeto o vigor, a força que no movimento de se lançar faz surgir o curso, pode-se entender o devir do projeto, ou seja, o vir a ser do projeto, como o surgimento incessante, de que falávamos juntamente com Heráclito e Heidegger. O Projeto é a força que faz surgir o curso e também é aquela que o mantém sendo, de modo que esse seu devir, bem como daquele do curso atualiza-se nas ações daqueles envolvidos com o curso, efetivando as ideias lançadas e materializando, assim, a constituição do profissional. Dessa maneira, o projeto vai trazendo as ideias, lançando e fazendo acontecer. Entretanto, como com ele são trazidas possibilidades de ações diversas para a mesma proposta, o projeto vai sendo criado e repetido no caminhar histórico de um curso. Ele vai acontecendo nova e novamente, mas, em seu acontecer ele se torna, carregando consigo toda a experiência do já ocorrido e feito. Compreendemos esse movimento, que se dá nas e por meio das ações, orientado pelo projeto, tornando atual o que é trazido como proposta, como o movimento de atualização do projeto pedagógico e consequentemente, do curso e do profissional projetado. O projeto, ao mesmo tempo em que surge e se atualiza constantemente, traz consigo o seu declínio, o seu encobrimento, no momento em que ele é disparado. O que declina? O que significa esse declinar do projeto pedagógico? Ao falar desse declínio pensamos nas ideias que geraram e que se materializam na proposta do projeto pedagógico. Esse processo, da geração à materialização, se apresenta como um produto que, no movimento da existência, tende a decair. As ideias ao serem lançadas para o surgimento do curso são abrigadas no próprio projeto. No movimento de atualização surgem caminhos de ação, tornando as ideias atuais; mas nesse movimento percebemos também que as ideias iniciais estão abrigadas, protegidas pelo próprio projeto, independente do modo pelo qual são atualizadas. Mesmo quando se interrompe o curso, dando, portanto, seu encerramento, o projeto persiste enquanto ideia e enquanto rede de produtos efetivados (produções artísticas, científicas, didáticas, profissionais formados que estão em atividade, historicamente, etc.). O projeto protege as ideias essenciais de como o curso foi pensado, no sentido de abrigar o pensar primeiro para o surgimento do curso. É um encobrimento que abriga, liberando o livre e o aberto para ser e manter-se Disparado o projeto, o surgimento do curso favorece o encobrimento das ideias geradoras, sejam elas as primeiras ou não, no sentido explicitado acima; e, em seu movimento de ser, sendo, ao vigorar o encobrimento na essência do surgimento do curso, o surgimento é favorecido. O projeto é o surgir incessante por que se lança V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil continuamente no vir a ser dos acontecimentos, da história, sendo no movimento de atualização sempre vivificado, e desse modo, trazendo a formação do ser-professor, em O projeto pedagógico de um curso, seja ele de formação de professores ou de qualquer outro profissional, traz consigo as possibilidades de ser desse profissional. Assim cabe a pergunta: como essas possibilidades se abrem e se tornam atuais? O que vislumbramos, pela compreensão que foi se constituindo para e em nós, por meio das leituras às quais nos endereçamos, e pelo já exposto até o momento, aponta para a Fomos seguindo um fio condutor e compreendendo que o devir de um curso de formação de professores está enraizado em uma complexidade em que estão presentes, pelo menos: a escola, entendida institucionalmente, o projeto pedagógico do curso, as pessoas que agem, as atividades educacionais elaboradas para convergir em direção ao proposto no projeto, a necessidade do profissional para a sociedade, a legislação que ampara o curso, entre outros que poderiam ser pensados. Todos esses aspectos dessa complexa realidade (a do projeto pedagógico) que se atualiza coadunam em busca da Mas, mesmo nessa complexidade da qual o projeto pedagógico faz parte, é ele, o projeto pedagógico, que oferece direções que podem conduzir à materialização do profissional, ou seja, ele oferece a forma ou essência do curso. Em outras palavras, ele traça o perfil do curso e consequentemente do profissional ali formado. Ele estabelece e direciona esse fim, que é a formação de um profissional, entendendo que esse fim não é um fim enquanto algo finito, mas um fim enquanto escopo desse processo em particular, pois temos de compreender que essa formação, disparada pelo projeto, continua na história do indivíduo, da comunidade e da sociedade de diversas formas. Assim, o projeto traz por meio da sua força, o que é pretendido pelo curso, os objetivos, a destinação. Projeta as ações a serem desenvolvidas para buscar essa destinação pensada. Sendo ele a forma, ele molda o curso, é ele que conduz e dá a tônica de todo processo de formação, fazendo lapidar, pelo movimento de atualização do projeto, o profissional ali projetado. Porém, sendo “pro-jeto” não fecha uma proposta, mas abre ideias e possibilidades de escolhas e ações. Estas, por sua vez, traçam o curso, ou seja, o caminho de atualização e de novas propostas. Retomando o já anunciado anteriormente sobre os aspectos envolvidos no processo de formação, podemos nos perguntar: além do projeto, tão enfatizado, de que V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil mais é feito um curso de formação de professores? Um curso é feito pelas pessoas que estão envolvidas nele e que agem. Entre elas, professores, gestores, técnicos e alunos. É materializado, ainda, por toda estrutura física, técnica, tecnológica e científica que dá sustentação para as atividades que serão desenvolvidas, pelos livros, laboratórios, materiais, conteúdos etc. Ainda, pelas ações desenvolvidas por meio das disciplinas, trabalhos, seminários, estágios, entre diversas outras atividades, pensadas pelo projeto e efetivadas pelas pessoas. Além de tudo isso, não se pode esquecer que um curso está também envolto por toda legislação educacional, seja ela da própria universidade ou do Ministério da Educação. Esse emaranhado de leis regulamenta o funcionamento do curso, e, também, serve como mecanismo de avaliação de seu funcionamento. Podemos, na mesma linha de raciocínio já traçado no item anterior, compreender o projeto como potência e como ato. Como potência por que as ideias trazidas nele são possíveis de serem atualizadas, elas estão lançadas ao futuro. A atualização do projeto já o traz como ato, em realização, em acontecimento presente e imediato. Em outras palavras, pensando que o visado, por exemplo, pelo projeto pedagógico de um curso de formação de professores seja formar o professor, podemos dizer que o projeto pedagógico traz o ser-professor em potência, pois ali estão presentes ideias que antecipam o decorrer de todo o curso e que, disparadas, projetam modos de acontecer que na união de ações e atividades disponíveis pelo contexto educacional, o projeto vai se atualizando e materializando essas possibilidades projetadas, ou seja, as ações, os encaminhamentos que objetivam a formação inicial do professor. Esse é o movimento de tornar atual o potencial, ou seja, tornar atual o ser-professor. Assim, o projeto pedagógico traz também o ser-professor em ato, isto é, em movimento, traz a formação Esse movimento da passagem do ser-professor em potência ao ser-professor em ato é compreendido por nós como o processo de atualização do projeto pedagógico, e consequentemente da formação de professores. Ou seja, a atualização, ou o movimento de um projeto pedagógico, é a passagem do proposto ao efetuado, do projetado ao realizado, do ser-professor em potência, em capacidade de se tornar, ao ser-professor em ato propriamente dito, formado legalmente – mas aberto à liberdade, em constante processo de forma-ação/atualização/movimento, como já mencionado. Mas, o que está se constituindo nesse movimento, nessa passagem? Primeiramente, cabe dizer que compreendemos que tudo aquilo que convém e pertence ao professor, que o faz (se tornar) professor mediante atos que efetivam a potência V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil aberta ao próprio acontecer que flui no fluxo do movimento, como a professoralidade do professor. Assim, respondendo a nossa pergunta, entendemos que o que está se constituindo no processo de atualização de um projeto pedagógico é a professoralidade do professor ali em formação. Professoralidade essa que, mesmo não sendo iniciada e disparada naquele curso em especial, é propulsionada pela formação ali projetada e, esse mote propulsor, é um dos modos de mantê-la acontecendo, em movimento de se tornar. Tomando outros exemplos para explicitar a mesma ideia, podemos dizer que, tudo aquilo que convém e pertence a todas as árvores enquanto árvore é a sua arborescência; ainda, chamamos de liberdade tudo aquilo que caracteriza e distingui o livre como tal. Heidegger (2000) diz que se costuma chamar isso de o ‘universal’, o ‘geral’. Heidegger (2000, p.88) coloca, ainda, que: “na perspectiva do ser dos entes, o ser, o ente, não são pensados substancialmente, mas verbalmente”. O que isso nos quer dizer? Em nossa compreensão nos remete ao fato de que só faz sentido pensar a árvore em seu movimento de se tornar árvore, portanto na ação de ser árvore, em seu sendo, e, portanto, materializando-se. Materialidade que está ante nosso olhar e que não permanece para sempre congelada, mas que sempre está em movimento de transformar- se, segundo as possibilidades que seu percurso e as materialidades dispostas tornam possíveis. Assim, quando pensamos no modo de ser-professor, pensamos na ação e em seu movimento de tornar-se professor, em seu sendo. Ação essa que acontece nos desdobramentos de vivências que, em geral, se dão em um curso de formação de professores, ou em outras situações, e na vivência e experiência dessa profissão. Isso se dá apenas no curso de formação? Acreditamos que não, como é possível ver pelo já exposto. Entendemos que esta formação não se pode precisar começo e fim. Mas um dos modos de ela vir a ser de modo legal, ou seja, amparada por uma legislação que busca garantir esse processo, é por meio da formação inicial. Assim, o projeto é, em nível institucional, o disparador dessa professoralidade. No entanto, como já dissemos, acreditamos que não comece ou pare por aí, pois assim como ocorre o processo de atualização do projeto pedagógico, um dos disparadores da professoralidade, ocorre também a atualização na constituição dessa professoralidade, que é particular de cada um, porém contextualizada em solo cultural e histórico. Ou seja, no movimento de atuação profissional, junto com seus pares e demais agentes educativos, ocorre, também, a atualização do ser-professor e esse movimento vai moldando o que se mostra como próprio ao profissional ‘professor’, entendendo que esse processo é sempre aberto V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Considerações finais
Para concluir, o projeto pedagógico posto em uma instituição escolar ou educadora traz consigo a força que impulsiona, que faz surgir e frutificar as ideias e que sustenta as ações do colegiado que, intencionado, se voltam à formação do profissional. Assim, como já mencionado, o projeto de um curso de formação de professores traz a formação do ser-professor potência, ou seja, como força imperante que propulsiona e mantém o acontecer possível, que pode ser realizada, mas, ao mesmo tempo, traz a forma-ação do ser-professor em ato pela atualização das ideias ali projetadas. Portanto, no acontecer dessa formação, ou seja, no movimento de tornar atual o ser-professor se encontra um dos modos de sua professoralidade ir se constituindo. Referências
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2007. v. IV (Coleção História da Filosofia Grega e Romana). REALE, G. Pré-Socráticos e Orfismo. Trad. de M. P. São Paulo: Edições Loyola,
2009. v. I (Coleção História da Filosofia Grega e Romana).

Source: http://sipem-sbem.lematec.net/CD/PDFs/GT11/CC93968213149_A.pdf

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